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PODEMOS TER MEDO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA)?

Atualizado: 19 de dez. de 2021

A IA tem como proposta a melhorar as condições de vida das pessoas, mas ela é fria e nos obriga a refletir sofre o que nos reserva o futuro e quais competências devemos abraçar para que a IA seja uma aliada do Homem e não seu algoz. Em tempos de adversidades, a superação exige mais inspiração do que suor.


A Inteligência Artificial (IA) há tempo deixou o plano das ideias para, a cada vez mais, ocupar espaços e importância no desenvolvimento dos negócios e na vida das pessoas. Não precisa muito esforço para perceber como as inovações tecnológicas, nas últimas décadas, moldaram profundamente a sociedade (ou seria o inverso?), seja em relação aos costumes, mas especialmente ao trabalho.


A IA sempre foi o sonho humano de consumo, não só por uma questão de ganhos econômicos e financeiros, mas muito pelas expectativas de que o desenvolvimento tecnológico poderia contribuir para o fim do trabalho enfadonho - particularmente o braçal - e permitir o ócio. Aliás, o trabalho, como o conhecemos hoje, passou ao longo das civilizações por uma extensa e lenta transformação conceitual. No passado, o ócio se confundia com o propósito ou fundamento de vida, visto que, por muito tempo, o trabalho foi relacionado ao trabalho escravo e à tortura (de onde a palavra trabalho é etimologicamente derivada), portanto, representava a perda de liberdade.

A sociedade estava dividida entre os nobres – dedicados à política, artes, ciência, religião e gestão da guerra – os camponeses e os servos. Foi a partir da Idade Média, com a urbanização e a expansão do comércio, que as funções laborais passaram a ser mais valorizadas.


Aristóteles interpretava o trabalho, não como um propósito em si, mas como um meio para alcançar o ócio, afirmando “somos ativos a fim de ter o ócio”. Já para Platão, discípulo de Aristóteles, o ócio era o princípio da filosofia, visto que somente com a liberdade se pode ter o tempo para a filosofia. Foi então o primeiro registro de que o exercício do pensar e de refletir recomenda o ócio, uma pausa mínima das tarefas laborais rotineiras, como se pode interpretar nos dias de hoje.


Na década de 90, a ideia do ócio ganha o aspecto criativo com o sociólogo italiano Domenico de Mais, como uma maneira nova de definir o ócio, então como meio de se alcançar maior qualidade de vida das pessoas, o que ele chamou de ócio criativo.

Se antes estava nos “robôs” o propósito de substituir o trabalho físico e proporcionar o ócio, a inovação tecnológica passou assumir aspectos cognitivos do ser humano, propositadamente com o fim único de reduzir erros, armazenar e interpretar informações e, por que não, tomar decisões. Assim, com o tempo, a ideia de promover o ócio, mesmo na linguagem mais criativa, parece não ter mais espaço, em particular nas organizações e na própria sociedade contemporânea. A palavra “ócio” é vista de forma negativa, pois mais do que representar o espaço de tempo em que se descansa, o termo é visto como sinônimo de indolência e preguiça. Sênica já dizia que “O trabalho espanta os vícios que derivam do ócio”.


Assim, percebe-se que o conceito antigo de ócio e trabalho se inverteu ao longo do tempo, alterando também o sentido e utilidade que se pôde dar à inovação tecnológica, o que faz acreditar que os espaços temporais que eram reservados à filosofia, à reflexão e inspiração deram lugar ao Burnout e às métricas. Ócio (descanso, parada) só por imposição legal.

A inovação tecnológica, através da AI, se ocupa não só da racionalidade dos processos produtivos, como também busca mimetizar o ser humano nas relações digitais das empresas com clientes, lembrando a Bia do Bradesco como a mais marcante das iniciativas, em razão de um suposto assédio à sua também suposta característica de gênero feminino.


Obviamente, todas essas tentativas estão abissalmente afastadas das virtudes humanas. Mesmo assim, a IA avança a passos largos e com destino e limites que o próprio ser humano parece não querer estabelecer. Certamente, a IA poderá trazer ainda avanços importantes para a humanidade, em especial e na medida em que permita proporcionar, com maior sustentabilidade possível, a erradicação da fome e da pobreza no mundo. Mas é pesaroso acreditar que ainda não seja utilizada para abrir espaços mais generosos à reflexão e à inspiração, essas, essenciais para a inovação e o desenvolvimento dos negócios.


Pouco se tem discutido sobre os rumos e os limites da IA do ponto de vista do espaço e do papel que devem ser reservados ao ser humano, seja para assegurar maior qualidade vida das pessoas, como também se formar nas organizações em geral uma cultura de gestão e inovação humanizada.


Para tanto, não basta reconhecer a necessária supremacia humana, cujas virtudes e capacidades morais, ética, empatia e de inspiração que nenhum ou outro qualquer humanoide possa alcançar, pois as necessidades humanas são muito mais amplas, entre elas as de se relacionar “humanamente” e de sentir útil aos propósitos mais nobres e elevados. O valor das coisas está sempre ligado à qualidade de suas conquistas.

As fronteiras e os caminhos da IA precisam levar em conta que a supremacia humana é na verdade a própria razão da sua existência e evolução. Dessa forma, os melhores caminhos deverão ser aqueles cujas margens sejam a própria natureza e as necessidades humanas, com as suas relações complexas, carregadas de ansiedades, medo, carências, afeto, compaixão, sonhos e reflexão. Coisas que a IA nunca poderá mimetizar, até por que é por causa delas que a IA deve caminhar.

No entanto e paradoxalmente, a inovação tecnológica, que deve servir ao ser humano, tem também o seu preço, onde as vantagens econômicas que ela cria são as mesmas que a alimenta. Assim, a inevitável e a fria realidade da substituição e supressão de atividades humanas na produção - e de profissões inteiras - onde a tecnologia se demonstra econômica e qualitativamente mais vantajosa.


Assim e a cada vez mais, a evolução tecnológica empurra a humanidade, na sua caminhada no tempo, a espaços mais reservados onde a IA inda não poderá alcançar.


O Homem está condenado – acredito que por bem - a se voltar às profissões que têm nas relações humanas os seus fundamentos, onde um conjunto muito especial de competências dará sentido de qualidade aos novos líderes e talentos nas organizações e na vida privada. Desse conjunto, podem se destacar três competências básicas nesse novo mundo:

Inteligência Emocional. Trata-se mais de um conceito do que uma ideia simples de controle de impulsos dentro de nós e em nossos relacionamentos. Para Daniel Goleman (1946 - Psicólogo), tido como o pensador mais influente no tema, a Inteligência Emocional contempla outras habilidades interpessoais, de autopercepção, empatia, motivação e até mesmo caráter. Para Peter Drucker, é a Inteligência Emocional que nos faz avaliar as situações mais subjetivas e não presentes nos tradicionais protocolos de comportamento. Enfatiza que “lideranças positivas nos levarão a um ponto além daquele que a ciência da administração diz ser possível”. Assim, a Inteligência Emocional se confunde com o positivismo comportamental.

Sensibilidade. É possível também se chamar esse atributo como Inteligência, visto que embora quase sempre nato, ele pode ser exercitado e desenvolvido. Por mais, pode fazer parte da Inteligência Emocional, visto que a Sensibilidade é uma porta mental aberta. É ela que aguça a curiosidade, a intuição e a reflexão, como também nos capacita a lidar com as questões mais subjetivas ou menos racionais. Aliás, não faltam evidências de que o Homem só evoluiu em razão das suas necessidades de encontrar respostas às questões filosóficas e subjetivas - que o mantém em alerta - e voltadas ao seu autoconhecimento. “Quem sou eu, de onde venho, para onde vou...?”. A dúvida sempre foi mais importante do que a certeza, daí, a racionalidade parece nunca ter sido o suficiente para a vida mais plena e evolutiva.

A Inteligência Racional foi por muitos anos reconhecida como condição para o sucesso na vida. Medida como Quociente de Inteligência ou simplesmente QI, representa um conceito baseado inteiramente na capacidade de compreender e manipular símbolos e funções matemáticos, físicos, biológicos e linguísticos, fundamentados na lógica e racionalidade ou evidência científica. Os conceitos da Inteligência Emocional, especialmente a partir da metade dos anos 90, mudaram inteiramente a maneira de desenvolver e atrair talentos, até então enfatizada no controvertido QI e na capacidade lógica/racional das pessoas.


No entanto, os atributos e a importância da Inteligência Racional necessariamente sobre-existem, até por que, a própria IA, que se propõe a tratar as questões lógicas com mais eficiência, segurança e rapidez, depende da capacidade racional e estratégica do ser humano.


Se é razoável afirmar, então, que tanto a Inteligência Emocional quanto a Racional tem a sua importância na vida das pessoas e das organizações, os conceitos da racionalidade parecem ainda dominar a conduta coletiva e corporativa. A tentativa de mimetizar o comportamento humano é um bom exemplo disso.

No entanto, no âmbito das organizações, a cultura predominante da racionalidade inibe as competências inerentes à Inteligência Emocional, essencial ao desenvolvimento de uma cultura de talentos e de inovação. No âmbito coletivo, o culto à racionalidade, particularmente nas sociedades modernas que buscam se orientar apenas em “evidências científicas”, tem levado a sérios conflitos conceituais que tem colocado a própria Democracia em risco.


A Ciência (que tem como preceito central o racionalismo) e política (o exercício do pensar e de dialogar) nunca tiveram coexistência pacífica, particularmente frente aos desafios do Estado em garantir a participação democrática do cidadão e atender aos interesses da vida burocrática do Estado, essa fundada na racionalidade e a monocracia. Com o tempo, a Ciência ganhou espaço na Política e na gestão do Estado, quando sugiram os primeiros movimentos em defesa da expertise e da avaliação como critérios para a construção de políticas públicas em razão das evidências científicas (Steve Rayner). Mas até então, dilemas e contradições sobre os papéis da Ciência e da Política sobressaíram a ponto de se estabelecer forte corrente de pensamento em favor da fática separação entre elas, baseada na crença de que, enquanto a Ciência se firmava no conhecimento e nos fundamentos racionais, técnicos e científicos, a Política sofria - ou até mesmo sofre - de dilemas insolúveis em volta das paixões e contradições humanas, coisas particulares da Inteligência Emocional.


De tal forma, a defesa de que a sociedade e o Estado deveriam ser conduzidos pela “racionalidade dos que sabem”, nas palavras de Simon Schwartzman. Assim, a racionalidade científica deveria sobrepor à política e afastando da vida pública a influência humana, com os seus desejos inconciliáveis e desprovidos de conhecimento científico. Seria, então, a democracia relativizada pelo empoderamento do Governante Esclarecido, sendo ele, de provido da Inteligência Racional, o único capaz de promover o bem comum – veja mais em Ciência e Política.


Conhecer os limites da IA do ponto de vista das reais necessidades humanas, onde o Homem possa ser percebido de vez, não só como agente, mas sobretudo como propósito da própria IA é a garantia da sua evolução. Nesse sentido, expandir os espaços para a reflexão e inspiração humana é essencial.

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