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Quando a política, a ideologia e os negócios se encontram


"Empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro" (Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República).


Política não é um tema muito discutido nos ambientes de negócios. Talvez pela imagem distorcida que temos dela, especialmente quando vivemos um ambiente de muita polarização. Entretanto, política e ideologia são coisas essenciais na vida das empresas e dos negócios, visto que são elas quem sinaliza os rumos e o modelo de desenvolvimento que queremos ou que estamos submetidos, o que condiciona o futuro das empresas, seja para o bem ou para o mal.


Ignorar a influência direta na ideologia é como abandonar a ideia de construção do futuro. O futuro não é o acaso, é as pessoas. E se assim é, podemos construir o nosso próprio futuro, pois não dependemos tanto de eventos fortuitos e de tendências, mas sim de nós mesmos.


No mundo dos negócios, a política e a ideologia, por muitas vezes, parecem demasiadamente rasteiras e suscetíveis de conflitos para poder entrar na pauta de governança corporativa; mas irremediavelmente a política, a ideologia e os negócios se encontram. É como duas ou mais galáxias que se fundem ao longo de um tempo pouco imaginável, em um evento de profundas transformações.


Entre um mundo de liberdade econômica e um outro de economia dirigida pelo Estado, a influência recíproca dessas duas galáxias, as armas do Estado controlador tradicionalmente são devastadoras, em especial quando o nacionalismo se apresenta como uma vantagem para lucros imediatos e oportunistas para determinadas empresas ou segmentos. No entanto, a largo prazo, o nacionalismo nunca deixou de ser uma armadilha para as empresas. Assim, não faltam histórias que demonstram como as empresas, que submetem ao dirigismo do Estado, sucumbem ao canto da sereia estatal e comprometem o seu futuro.


O governo federal lançou recentemente a Nova Política Industrial Brasileira (NIB) tendo como estratégia o uso de recursos públicos e do poder regulador do Estado como instrumentos indutores de um modelo de desenvolvimento reconhecido como capitalismo de Estado. Pela NIB, o governo busca ressuscitar a "nova matriz econômica” onde a ideologia do nacionalismo e do poder do Estado se juntam para cooptar empresas e seus aglomerados para parcerias que se coadunam com o novo pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro, em "um passo importante no processo de reconstrução do Estado", como o governo reconhece. Financiamentos em regime especial, recursos não reembolsáveis, participação em capital, isenção fiscal, compras governamentais e outros instrumentos estão na pauta nacionalista de cooperação do Estado com empresas selecionáveis.


Esse cenário faz acreditar que a história se repete. E não apenas em relação à política desastrosa de se fazer empresas "Campeãs Nacionais", quando bilhões de reais foram injetados em condições favoráveis e distintas do mercado em um número restrito de empresas e de escolha do próprio governo. O resultado disso é bem conhecido pela sociedade, bem como constam dos anais da justiça brasileira e de muitos países, como Estados Unidos e Suíça.


A história também se repete quando a ideologia que orienta a ação do Estado na economia se reproduz. Nela, o nacionalismo invoca sempre o poder do Estado para a sua promoção. Sem ele, o mercado tende sempre a derrubar fronteiras em prol do comércio livre e abrangente, onde a capacidade de competir é que determina os resultados. No entanto, as aparentes e imediatas vantagens do nacionalismo pode mesmo atrair um conjunto significativo de empresas. Nesse sentido, a ideologia nacionalista deixa de fomentar a competitividade na economia e combater os oligopólios para assim fazer do nacionalismo um instrumento de fortalecimento de empresas e segmentos alinhados aos interesses político ideológicos do Estado e do fortalecimento próprio Estado.


Foi assim na Alemanha durante a segunda guerra mundial, quando o modelo de desenvolvimento buscava atender o interesse armamentista do Estado Nazista e em prol de um projeto essencialmente ideológico: o da supremacia racial. Hoje, na história das empresas cooptadas pelo nazi estado, não é raro se ver o quanto o alinhamento ao “pensamento de desenvolvimento do governo” - em troca de favores e vantagens econômicas de oportunidade - pôde manchar a reputação dessas empresas, bem como pôde trazer sentimentos profundos às famílias herdeiras de empresas remanescentes, quando muitas buscam se redimir de práticas de então em favor de lucros estritamente decorrentes do nazismo, como é o caso da família Reimann, herdeira da Benckiser.


Mas, obviamente, a Benckiser não foi um caso isolado. Grandes multinacionais alemãs, presentes até hoje, admitem que se beneficiaram das políticas do governo nazista, e hoje lamentam a situação no passado. Empresas como a Volkswagen, BMW e Mercedes usaram trabalhadores forçados de campos de concentração durante o regime nazista para elevar os seus lucros. O Deutsche Bank confiscou bens de judeus no mesmo período e vendeu ouro de vítimas do Holocausto. São exemplos, não de apenas crimes hediondos contra à humanidade, mas especialmente como as empresas podem ser guiadas pelo lucro imediato e oportunista em detrimento da ética que deve nortear os negócios corporativos contemporâneos.

A história da família Reimann é contada em artigo publicado pelo Estadão, em 2019 (23/06), mas que ainda serve de referência de quanto e como as empresas que abandonam a ética nos negócios para abraçar lucros de oportunidade.


Guardada as devidas proporções, o nacionalismo brasileiro também se demonstrou atraente para muitas empresas que buscaram ou buscam lucros de oportunidade sem que os princípios éticos que devem orientar todo e qualquer modelo exitoso de Governança Corporativa prevalecesse. Talvez seja dispensável citar nomes e os principais efeitos, mas é bom lembrar as aventuras desastrosas de corporações profundamente envolvidas em processos de corrupção no Brasil.


A corrupção, a despeito da sua natureza que a distingue dos crimes cometidos pelas empresas da Alemanha nazista, seus efeitos se assemelham àqueles, pois a corrupção mata e submete uma parcela importante da sociedade às condições degradantes e perniciosas como o trabalho infantil e até mesmo o trabalho semelhante ao escravo. Mata pela negação de serviços essenciais para o País, como a saúde, a educação e a segurança pública, afetando, principalmente, a parcela mais pobre da população. Por essas razões, a corrupção poderia ser considerada como um crime hediondo.


Conta a matéria do Estadão que a família Reimann tem uma história de estreita relação com o regime Nazista de Hitler (como muitas), quando a Benckiser se aproveitou disso para obter lucros. A história de Emilie Landecker, herdeira (cujo pai judeu foi assassinado pelos nazistas) e de Reimann Jr. (chefe e amante de Emilie) demonstra como o nazismo permitiu (incluindo o trabalho forçado de trabalhadores) que a família acumulasse uma riqueza colossal; uma história de morte, devoção e contradições humanas. É também a história de uma redenção corporativa contemporânea que a família Reimann ainda busca.  


A Benckiser evoluiu e se tornou um dos maiores conglomerados de bens de consumo do planeta. Conhecida atualmente como JAB Holding Company e ainda controlada pela família Reimann, a empresa vale mais de US$ 20 bilhões e é dona de marcas como Krispy Kreme Doughnuts, Pret A Manger, Keurig e outras ligadas ao café da manhã. Mas, conforme a Benckiser cresceu e se tornou a global JAB, seu passado se tornou impossível de ignorar.


Peter Harf, que se tornou presidente em 2019, e cujo pai era um nazista, disse (à época) duvidar que a empresa nada tivesse a esconder. “Eu conhecia as histórias que eles contavam", disse ele. “Algo cheirava mal.” Somente agora, 74 anos após a 2ª Guerra Mundial, a família e a empresa estão enfrentando seu passado sombrio.


É imprevisível a possibilidade de que empresas brasileiras busquem se redimir pelas falhas éticas corporativas - tal como nas empresas alemãs no regime nazista -, em favor de lucros oportunistas (infelizmente nem os acordos de leniência estão sendo respeitados), mas o mundo corporativo precisa se posicionar pela ética corporativa como uma condição básica para os negócios, em especial para a perenidade das empresas.


A ideologia do estatismo e do protecionismo de hoje bate na porta das empresas. Cabe a elas fazer as suas escolhas.

 
 
 

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