Por que a taxa básica de juros é tão alta no Brasil? O lado cognitivo da questão.
- E.Moreno
- 7 de nov. de 2024
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Atualizado: 8 de nov. de 2024

Mindset do mercado e os seus vieses cognitivos são tão importantes quanto os fatores macroeconômicos que aparentam prevalecer nas suas decisões.
O Banco Central elevou novamente a taxa de juros, nesta semana (06/11), que passou para 11,25% aa e deve acrescentar mais 0,50 pp no próximo mês, fechando o ano em 11,75%.
Para os economistas, argumentos para a elevação da taxa não faltam, dentre eles a maior resiliência na inflação em função de um hiato do produto mais apertado, conjunção de políticas econômicas externas e internas que tenham impacto inflacionário, e incertezas (sic) quanto a política fiscal do governo, como o próprio BC justifica os ajustes.
Mas, não é bem sobre isso que eu quero falar. Mindset do mercado e os seus vieses cognitivos são tão importantes quanto os fatores macroeconômicos que aparentam prevalecer nas decisões.
Já há um bom tempo que o presidente Lula, membros de seu governo e representantes de entidades empresariais (entre elas a forte e influente Confederação Nacional da Indústria – CNI) criticam a política monetária do BC, geralmente com argumentos enviesados pelas preferências ideológicas e/ou corporativas que buscam imputar ao BC a responsabilidade exclusiva pelas altas dos juros. "A maldade do BC".
De um modo bastante comum, as críticas são feitas sob três argumentos básicos: 1) Juros altos inibem os investimentos produtivos que poderiam elevar a oferta de bens e serviços e assim contribuir para arrefecimento da inflação. 2) Há fatores que impactam a inflação, mas que a política monetária não tem efeito sobre eles, o que tornam o esforço do BC parcialmente inócuo. 3) O nível em que a Selic se encontra já ultrapassou o que seria o suficiente para manter a inflação sob controle.
Sobre esses argumentos, não há muito o que questionar, considerando sobretudo que juros altos de fato inibem os investimentos e que há sim fatores impulsionadores de inflação, sobre os quais a política monetária não tem nenhum efeito importante. Dois bons exemplos disso são representados pelos fatos de que a economia brasileira é excessivamente carregada de subsídios e pela elevada participação de créditos subsidiados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Só no ano passado, a União manteve subsídios próximos de R$ 650 bilhões (só com impostos foram R$ 530 bilhões, e com crédito R$ 83 bilhões), o que equivaliam a 5,96% do PIB. Na mesma direção, o crédito com recursos direcionados, cujos juros (cerca de 9,0 % aa) são subsidiados (frente a uma Selic hoje de 11,25%), cresce e já representa cerca de 42% do saldo de crédito do Sistema Financeiro Nacional, sendo assim, imunes aos efeitos desejados pelo BC com a alta dos juros básicos. Entretanto, por muitas vezes os nossos vieses cognitivos não permitem considerar o outro lado da moeda, que, no caso, é representada pelo fato de que, em razão dos mesmos argumentos apresentados, o esforço contracionista da política monetária tende a ser maior sobre o mercado como um todo para que compense os fatores de menor influência do contracionismo monetário. Na prática, alguns segmentos são mais afetados do que outros.
Já com relação ao atual nível da Selic como política monetária, o BC entende que é necessário e compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), hoje de 3,0% aa, com tolerância de 1,50 pp. Por mais, há economistas que argumentam que a Selic deve alcançar até 15,0% aa para que se garanta tal convergência. São distorções representativas na economia que fazem com que a dose do remédio seja na mesma proporção.
No entanto, a dose do remédio prescrita pode variar de acordo as metas estabelecidas e que sinalizam para o mercado o quanto a autoridade monetária está ou não tolerante com o comportamento da inflação.
No mundo, as metas de inflação são variadas, mas na maioria dos países desenvolvidos, de economias mais estáveis, as metas comuns estão em volta de 2% ao ano. Já em relação aos emergentes e de economias menos estáveis, as metas seguem padrões mais tolerantes, tendo como regra básica o quanto maior for a inflação vigente, maior é o limite de tolerância. É o caso da Turquia, por exemplo, que tem uma inflação próxima de 50% ao ano e adota uma meta de 5% para os períodos futuros. Nesses casos, o esforço necessário para a convergência à meta é quase sempre maior do que nas economias mais estáveis. O Brasil se mantém entre os países da América Latina, com meta de 3% aa.
Mas, se há evidências dos benefícios de uma taxa mais reduzida da Selic, por que o BC “age dessa maneira”? O ensaio de uma resposta vem de uma segunda pergunta: Será que as suas projeções de hiato de produto são capazes e suficientes para avaliar o comportamento do processo inflacionário para impor uma política contracionista? É natural e importante que o BC se valha de fundamentos macroeconômicos e princípios básicos de política monetária, a exemplo da Regra de Taylor (criada por John B. Taylor em 1993), adotada pelos bancos centrais das maiores economias do mundo. A regra recomenda que as taxas de juros sejam ajustadas com base em uma relação direta entre a taxa de juros vigente e outras variáveis como o desvio da inflação em relação à meta, da atividade econômica em relação ao nível potencial (hiato do produto) e o juro neutro. Portanto, há fundamentos técnicos para se estabelecer a consistência temporal, credibilidade, transparência e independência da política monetária (pelo menos, por hora).
Entretanto, não há no Brasil consenso entre as autoridades governamentais sobre a importância de uma meta no alcance de objetivos macroeconômicos, revelando assim determinados vieses cognitivos impostos pela ideologia e que alimentam ainda mais as expectativas dos agentes econômicos. Membros do primeiro escalão do governo defendem que o papel do BC na condução da estabilidade econômica pode ser significativamente reduzido, visto que, segundo a doutrina da MMT (Modern Monetary Theory), a capacidade do Estado de tributar e emitir moeda é suficiente para o controle da inflação e promover o desenvolvimento. Intencionalmente ou não, o futuro Presidente do BC defende a ideia de que a instituição não deveria participar da definição das metas, cabendo a ela apenas a obrigação de fazer cumpri-las. Para Galípolo, a tarefa deve caber apenas ao governo federal, através dos representantes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento no Conselho Monetário Nacional-CMN (AgênciaBrasil). Defende assim que a missão do BC deve ser compatibilizada aos objetivos do governo, legitimados pelas eleições. Novamente, os interesses que envolvem a política monetária podem mudar, de função de Estado para instrumento de política de governo, onde a boa e velha ortodoxia econômica pode dar lugar uma maior heterodoxia na condução da política monetária.
Mas não é só isso que orienta o BC no cumprimento de sua missão. Na essência, são as expectativas de largo prazo dos agentes econômicos que orientam a política monetária em qualquer lugar do mundo. Se o mercado percebe (e comunica) fatores que tendem a estabelecer algum desiquilíbrio nas relações econômicas e que possam afetar os preços, a autoridade monetária necessariamente age para que o equilíbrio se restabeleça. Assim, o BC busca conter os efeitos projetados, adotando uma política que promova a "convergência da inflação para o redor da meta ao longo de um horizonte relevante" - de cerca de 18 meses à frente -, como assim se posiciona.
São esses, princípios ortodoxos que vigoram nas economias mais liberais e que são orientadas pela já mencionada Regra de Taylor.
As expectativas do mercado são regularmente citadas nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), expressando o peso que a autoridade monetária dá a elas na definição dos ajustes da política monetária. Vale lembrar que os agentes econômicos procuram fazer suas projeções de inflação como forma de se proteger de possíveis variações de preços que possam afetar diretamente os seus negócios - uma tentação para antecipar ajustes dos seus preços - e de seus clientes. Bem por isso, a importância de a autoridade monetária captar as expectativas mais amplas possíveis do mercado sobre o comportamento do processo inflacionário, visto que são as expectativas que orientam a política monetária. A força disso pode ser resumida na seguinte frase: Quando todos acham que a inflação vai cair, ela cai; quando todos apostam que a ela vai subir, ela sobe. É o Mindset do mercado.
Hoje, o principal instrumento do BC para captar as expectativas se dá por informações coletadas junto ao mercado e reproduzidas pelo BC em seu Relatório Focus. Por ele, é possível identificar a mediana das apostas, mas também como a frequência com que as expectativas estão distribuídas, permitindo assim avaliar como as apostas são mais dispersas ou agrupadas, reproduzindo menor ou maior consenso sobre as projeções. Entretanto, esse instrumento tem sido alvo de muitas críticas de especialistas e até mesmo motivo de preocupação do próprio BC.
O que se observa é que o sistema captura informações de um universo pouco representativo de agentes econômicos, além de excessivamente concentrado em instituições de um único segmento econômico. O relatório da semana (4), por exemplo, com a indicação uma nova alta nas projeções para a inflação medida pelo IPCA em 2024 (de 4,55% para 4,59%), baseou-se na mediana das expectativas de apenas 151 respondentes. Por mais, esse número é majoritariamente composto de agentes vinculados ao sistema financeiro, o que tem suscitado questionamentos sobre a predominância de interesses do próprio sistema financeiro e de seus agentes nas decisões do BC.
Por outro lado, a prevalência das expectativas inflacionárias nas decisões do Copom também traz uma importante dúvida do quanto a decisão da autoridade monetária orienta o mercado e do quanto é ele motivado pelo mercado. Salvo o setor financeiro (pelas razões já citadas), o mercado em geral (incluindo os consumidores) percebem comumente as expectativas de inflação como sendo do BC e não do próprio mercado. Assim, quando o BC, com base nessas expectativas, promove ajustes na taxa de juros, vêm interpretações de que se os juros estão tão elevados é por que vem inflação por aí, ou então por um simples capricho da autoridade monetária.
Isso não retira nada do mérito da política monetária como instrumento de combate à inflação, mas certamente não se trata apenas de uma questão de fundamentos macroeconômicos, mas também do como a sociedade em geral interpreta e age diante das mensagens diretas e indiretas que a política monetária transmite às pessoas.
Naturalmente, os vieses cognitivos - naturalmente humanos - que são criados pelo modelo mental da nossa sociedade e que alimentam percepções distintas e na maioria das vezes equivocadas de quem é realmente responsável por tudo isso.
Credibilidade da autoridade monetária é vital, mas rever e/ou aprimorar os mecanismos de captação e avaliação de expectativas (em seus aspectos técnicos e motivacionais) é hoje uma condição importante para trazer maior eficiência e credibilidade à política monetária.
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