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O futuro dos negócios: A busca inútil de se prever o futuro [1].

Atualizado: 5 de mai. de 2024


A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo (Alan Kay).

O futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas o lugar que estamos construindo ou o consentindo.


Não há nenhuma novidade em dizer que somos péssimos em prever o futuro, não? Ou será que o futuro e os riscos dos negócios podem mesmo ser previsíveis com investimentos em Big Data suportado cada vez mais pela inteligência artificial?


Bem, a história mostra como as economias e os negócios no mundo todo foram impactados por gigantescas crises, como a Grande Depressão, a crise financeira global em 2008 e a mais recente, a da pandemia da Covid19. Todas nos mostram como somos péssimos em prever o futuro.


Em 1929, no auge da bolha financeira maior da história e às vésperas da Grande Depressão, o economista Irving Fisher, antevendo os riscos de uma depressão econômica, afirmou que “os preços das ações atingiram o que parece ser um patamar permanentemente alto”. Vendo esse comentário hoje, achamos graça. Como um sujeito tão inteligente pôde ser tão cego para algo tão inevitável? Se seguirmos a regra de quanto mais descontrolado o crescimento, pior a recessão, a Grande Depressão deveria ter sido óbvia. (Emprestado de Morgan Housel, Gazeta do Povo).


Até para algo tão imenso quanto a Grande Depressão, muitos futuristas econômicos permaneceram cegos diante do que estava acontecendo, e mesmo com o processo já desencadeado pouca atenção foi dada aos riscos tão proeminentes. E os efeitos disso, a maior crise econômica na história norte-americana, que também afetou o Brasil. O mercado e o Governo Americano falharam em suas predições? Por quê?


A pandemia do coronavírus foi um evento considerado imprevisível e evolutivo (surgiu no final de 2019 e culminou com mais de 6 milhões de mortes ao final de 2022) e seus efeitos econômicos, bastante conhecidos, também foram surpreendentes. Os efeitos nos negócios, no Brasil e no Mundo, dada maior imprevisibilidade do evento, a maioria das empresas não foi capaz de promover resiliência suficiente para enfrentar a crise.  

À época, os mercados sempre viam as economias abertas como uma vantagem importante para o desenvolvimento dos negócios. No entanto, o complementarismo econômico global foi abalado pela forte queda nos setores produtivos da maioria das economias, imposta por severos lockdowns, o que levou à escassez e alta no custo dos insumos, em especial na indústria.


Os efeitos econômicos tendem a ser superados, mas a rapidez com que a crise se propagou, as perdas de vidas humanas, retração econômica, elevação do desemprego, aumento da pobreza, depressão social, desorganização das finanças públicas, etc., formaram uma poderosa centelha à crise política que se instalou em muitos países e que perdura até hoje. Sentimentos generalizados de vulnerabilidade incitaram (e ainda incitam) ideologias nacionalistas e protecionistas pelo mundo afora, incluindo o Brasil com a sua atual disposição política por uma maior presença do Estado na economia e de maior protecionismo à indústria de origem nacional, corroborando com a condição do país como uma das economias mais fechadas do mundo.

     

A crise financeira de 2008 tem um histórico distinto. O crash no mercado imobiliário nos Estados Unidos era bastante previsível, pois há tempo havia evidências de que uma bolha imobiliária estava se inflando desde o final da década de 90, quando ocorreu uma grande expansão do crédito. Em 2007, o mercado era ciente da iminência da crise das subprimes e de seus efeitos sobre o mercado financeiro americano, em especial pela possibilidade de que o Federal Reserve (Banco Central americano) não socorresse os principais bancos privados; e é o que aconteceu. Exemplos como a crise no mercado imobiliário e de ações no Japão em 1985 parecem que não foram representativos o suficiente para os futuristas das principais economias do mundo, em particular os Bancos Centrais. Elevados gastos do governo americano com as guerras do Afeganistão e do Iraque também estavam no radar dos economistas e das empresas, pois contribuíam para a crise com o aumento da inflação no país. 

Em 2008 o Lehman Brothers foi à falência (será que seus recursos de previsibilidade falharam?) e a crise ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos, chegando ao mercado global e afetando a economia e os negócios em todo o mundo.

Até então, sem muito olhar para o passado (ou para futuro iminente), a vida ia bem nas nações desenvolvidas e suas economias eram animadoras, com inflação controlada, taxas de juros e crédito favoráveis e menores taxas de desemprego. Em 2009, o PIB global caiu 1,7% e a recessão em muitos países levou à nacionalização de bancos, derrubou governos, gerou desemprego e afetou os negócios.

No Brasil, embora os efeitos tenham sido menores, o país não passou ileso e os efeitos foram significativos. O PIB brasileiro regrediu 0,2% (após ter crescido 5,2% no ano anterior), com forte queda na bolsa de valores e aumento do dólar.

Muitas empresas tiveram sérias dificuldades financeiras, como os casos da Sadia que teve prejuízos bilionários com investimentos tóxicos e a Aracruz Celulose que também perdeu muito dinheiro com derivativos. Aracruz Celulose buscou saídas que levaram a companhia se fundir à Votorantim Celulose e Papel (VCP), criando assim a FIBRIA Celulose S.A. [2]

À época, Brasil também se viu com problemas de liquidez, em razão da saída de capital estrangeiro, o que fez o Banco Central a liberar para os bancos bilhões de reais (até então em depósitos compulsórios) para aumentar a liquidez no mercado e estimular a produção e o consumo. Em setembro de 2008 o BC precisou elevar a taxa Selic para 13,75% (contra a taxa de 11,25% em agosto e vigente desde setembro do ano anterior), quando a inflação anual alcançou a 5,90%, contra 4,46% no ano anterior. Com isso, maior custo de crédito às empresas e recessão nas atividades econômicas do país.


A característica comum dessas crises - e de outros eventos que poderiam ser também citados - não é necessariamente pelos seus grandes impactos, mas sim pela surpresa que trouxeram ao mercado ao escapar do radar de praticamente de todo mundo corporativo.

Isso nos permite refletir sobre o fato de que, mesmo com largos investimentos em Big Data, não podemos prever o futuro e tampouco nos eximir dos riscos que estão à frente. Sobre isso, Morgan Housel, investidor, escritor americano e autor do livro ‘O Mesmo de Sempre: Um Guia para o que Não Muda Nunca’ (2023 – Editora Objetiva), nos faz uma recomendação valiosa: “em vez de tentar prever o futuro, devemos olhar para as verdades universais que permaneceram consistentes ao longo dos séculos”.

Bem por isso, no mundo dos negócios, as “verdades” que criamos com o esforço de prever o futuro baseado apenas em algoritmos não passam de prescrições que levam as empresas a um lugar comum (tecnologia se compra), enquanto as verdades universais são mais evidentes em uma cultura corporativa de pensamento inovativo e estratégico, onde a inspiração vale mais do que o suor (talento se constrói).

Esse é hoje (e no futuro) um dos maiores diferenciais competitivos entre as empresas como organismos vivos – que sentem, transpiram, inspiram e refletem – e as mecânicas de governança fordista.

Necessariamente isso não representa um desdém à importância da tecnologia e tampouco aos avanços da Inteligência Artificial (IA). Mas isso não muda o fato de que as novas tecnologias não estão nos tornando mais produtivos, segundo estudos realizados nos Estados Unidos que demonstram que, a despeito dos grandes investimentos em tecnologia durante e pós pandemia, o aumento da produtividade americana tem se mantido estável (1% ao ano) desde 2010.

No Brasil, a produtividade na indústria tem caído de forma sistêmica e volta ao patamar de 2014, segundo recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mesmo que cerca de 70% das indústrias brasileiras tenham declarado que utilizam tecnologia digital, também segundo estudo da CNI. Para Robert Gordon, economista da Universidade Northwestern, as façanhas da IA são “impressionantes, mas não transformadoras”. E isso muda a lógica: Transformação exige muito mais do que tecnologia e requer um processo longo e complexo de mudança cultural em toda a organização.


A IA sempre será mais útil e promissora quando impulsionadas pelas pessoas, em especial quando as soft skills passam estrategicamente valorizadas pelos modelos de governança corporativa.


O conceito de Housel nos ensina que, para que as verdades universais sejam a base de construção do futuro, as prescrições tecnológicas precisam ser distinguidas e entendidas como tal, ou seja: Não passam de receitas.

Assim, em tempos de mudanças cada vez mais presentes e impactantes (quando teremos uma nova crise econômico-financeira?), rever os paradigmas que orientam os negócios é uma questão crucial para o futuro, visto que, em uma visão de mundo, um paradigma perdurará até que não se possa explicar novas evidências, o que só o pensar estratégico, apoiado nos talentos e na inteligência emocional (soft skill) é capaz de promover a inspiração necessária para a mudança. E uma das verdades universais é que, diante da nossa incapacidade de prever o futuro, subestimamos facilmente o que não sabemos e, assim, abandonamos o futuro à sua própria sorte. E como afirma o psicólogo Daniel Kahneman, “A ideia de que as coisas que não enxergamos possam refutar tudo aquilo em que acreditamos simplesmente não nos ocorre”.

É por isso que investir na construção de nosso próprio destino é melhor do que tentar prever o futuro. Na verdade, o futuro não é mesmo o lugar para onde estamos indo, mas é o lugar que estamos construindo ou permitimos. Isso muda muito a nossa percepção de risco: Eles não são apenas exógenos, mas essencialmente de nosso posicionamento diante de um mercado e uma economia imperfeita por natureza. Depende então de escolhas. Assim, é hora de rever os paradigmas que nos trouxeram até aqui e a forma de como percebemos (ou não) e gerimos os riscos. Desta feita, possamos, cada vez mais, fazer com que as razões dos riscos corporativos mudem de mão, que possam ser atribuídos em menor relevância a fatores aleatórios e exclusivos de mercado (comumente captados pelos algoritmos em seus receituários) para que se tornem mais sensitivos e naturais de nossos próprios negócios. E, mesmo na era da IA, o capital que passa a ter maior importância nas avaliações estratégicas é aquele representado pelos ativos intangíveis do capital humano. O desafio de hoje, não é prever uma nova crise, mas estar mais preparado para quando ela virá, pois a verdade universal de que a economia é e sempre será imperfeita, os riscos decorrentes sempre estarão rondando os negócios. Assim, para estar resiliente e mais perceptível aos fatores de risco que os nossos próprios negócios representam, não basta construir radares, é preciso um farol, pois o risco não é aquele que não esperamos mas também os que produzimos.

Mudança nos paradigmas mudam não só a visão de riscos mas também a maneira como podemos administrá-los.

_______________

[1] Inspirado no artigo de Morgan Housel, Gazeta do Povo. Conteúdos emprestados, créditos concedidos.

[2] Em janeiro de 2018, a Fibria se fundiu com a Suzano Papel e Celulose, criando a Suzano S.A.

 
 
 

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